sábado, 6 de maio de 2017

No 1º Dia Nacional do Azulejo - o que falta fazer na cidade





(foto de Francisco Queiroz)


Comemora-se hoje, e pela primeira vez de modo oficial, o Dia Nacional do Azulejo.
Embora refractário a comemorações de tudo e mais alguma coisa, entendo que, em certos momentos, e para certos temas, haver um dia comemorativo pode ser de grande utilidade. E o facto de ser um dia nacional, ratificado pelo próprio Parlamento nacional, diz muito do quanto o azulejo é um fenómeno português - com muita influência internacional, é certo - e do quanto é um património do país reconhecido como tal por quem não é português.

Embora se suponha que o uso do azulejo em Portugal tenha, pelo menos quinhentos anos, o actual estado da arte leva a crer que, no Porto, o fabrico de azulejos não perfaça mais de duzentos anos. Significa isto que, no Porto, os poucos exemplos de azulejaria anteriores ao período da Monarquia Constitucional foram produzidos bem longe da cidade, sobretudo em Lisboa.

Porém, ao contrário do que é crença comum, o azulejo - ou melhor, um certo tipo de aplicação em azulejo - teve no Porto um período tão florescente que se supõe mesmo ter sido esta a cidade preponderante, no contexto internacional. Refiro-me à azulejaria de fachada e aos artefactos complementares, como vasos, estátuas alegóricas, balaústres e outras peças decorativas em cerâmica para platibandas.

Em diversos cais do Rio Douro, especialmente do lado de Vila Nova de Gaia, foram embarcadas quantidades elevadíssimas de azulejo e dos mencionados artefactos complementares, destinados a ornamentar edifícios em paragens longínquas. No Brasil, apesar de décadas de destruição, podem ainda ser encontrados desde o Maranhão até ao Rio Grande do Sul. Podem ser vistos também nos arquipélagos dos Açores e Madeira e um pouco por todo o país, sobretudo onde havia porto, estação ferroviária, ou boas estradas. Azulejos e ornatos complementares de fachada feitos no Porto podem ser vistos igualmente em edifícios de Lisboa, embora os azulejos semelhantes produzidos então em Lisboa raramente possam ser encontrados nos edifícios do Porto - o que diz muito da preponderância do Porto na produção de azulejos durante a época áurea da azulejaria de fachada, ou seja, entre cerca de 1850 e 1900.


(foto de Francisco Queiroz)


Foi, aliás, no Porto - ou melhor, em Vila Nova de Gaia e com depósito / loja no Porto - que existiu a principal fábrica de azulejos para decoração de edifícios: a das Devesas, cujo complexo fabril está há mais de trinta anos embrulhado num processo de classificação que não tem evitado a ruína, os furtos, a pilhagem, o vandalismo.

Há cerca de dez anos atrás, o prospecto de um congresso sobre azulejaria realizado em Lisboa convidava os interessados a propor comunicações sobre as várias épocas do azulejo, mas implicitamente desencorajava propostas sobre azulejaria de fachada, ao afirmar, no preâmbulo, que esse fora um período de decadência. Ironicamente, no que ao azulejo diz respeito, hoje é já maior a produção científica sobre essa época do que sobre as demais. Em grande medida, foram os não portugueses - e, no caso do Porto, os cada vez mais numerosos visitantes - que, com o seu interesse, com as suas perguntas, com a sua máquina fotográfica apontada, fizeram dissipar velhos preconceitos dos portugueses sobre a azulejaria de fachada.

Contudo, nestes últimos anos, muito se perdeu. O Porto como cidade de azulejo; e o azulejo do Porto como marca própria (visto ser diferente do azulejo de Lisboa, por exemplo); são potenciais por explorar e, sobretudo, por defender.

Neste Dia Nacional do Azulejo, deixo, pois, a pergunta: de que está à espera a Câmara do Porto (e a Câmara de Gaia...) para estabelecer um regulamento próprio que defenda eficazmente a azulejaria histórica da cidade, especialmente a azulejaria de fachada? E já nem pergunto onde está o inventário da azulejaria de fachada da cidade, e muito menos onde está a monitorização do seu estado nos diversos edifícios.

Até no Município da Lagoa, nos Açores - onde o número de fachadas azulejadas não vai além da dúzia, mas onde azulejaria é claramente identitária, por ter sido o primeiro local no arquipélago a produzir azulejaria, graças a conhecimentos técnicos (e humanos) oriundos precisamente de Vila Nova de Gaia - já se levou a vereação um regulamento do género. Por outro lado, em Ovar, cidade que se auto-intitula "museu do azulejo", e onde a esmagadora maioria dos azulejos que possui foi adquirida no Porto, a prática de anos na salvaguarda e valorização do Património azulejar pode servir também de exemplo.
De que está à espera o Porto? E em Gaia, quantas mais fábricas históricas de cerâmica têm de cair, quantos mais painéis de azulejaria únicos têm de desaparecer para se fazer alguma coisa de concreto?




2 comentários:

  1. Sim, faz falta ao Porto um Programa de Investigação e Salvaguarda do Azulejo do Porto, em azulejo de fachada e de interior, em edifícios públicos e privados, e no espaço público ou não, e que compreenda a necessária alteração da regulamentação urbanística em vigor na cidade, mais um inventário fidedigno, banco de azulejos, procedimentos de remoção e recolocação, lista de empresas certificadas para produção de réplicas no casos necessários,etc.

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  2. Sim, faz falta tudo isso. Houve tentativas para um inventário, como o projecto IPAP que, de tal modo era ambicioso, não cobriu senão uma área muito diminuta da cidade. Além disso, nessa época o azulejo ainda era olhado com preconceito: a prioridade não era propriamente valorizar a azulejaria. Há alguns anos, houve também uma tentativa de inventário e monitorização dentro da Porto Vivo, mas apenas para a área classificada como Património Mundial. Porém, no ano seguinte, a pessoa que se ocupava disso foi dispensada e, que eu saiba, não sobrou nem inventário, nem monitorização... O que nos vale é haver cada vez mais arquitectos a fazerem reabilitação que entendem a importância do azulejo como marca identitária e valorizadora do edifício (e também cada vez mais proprietários). De outro modo, a situação seria ainda mais dramática.

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