sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Avenida da Ponte - Pela suspensão do projeto atual do arquiteto Siza Vieira

 Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto

Dr. Pedro Duarte

É com preocupação que assistimos à intenção de "não suspender o projeto para a Avenida da Ponte", desta vez assinada pelo Arq. Álvaro Siza Vieira, ao que parece pela terceira vez. Se, à partida, pode impressionar ver um mestre da arquitetura retomar este tema, torna-se essencial colocarmo-nos a si — e à autarquia — perguntas difíceis sobre o seu real impacto para a cidade, os seus residentes e o espaço público histórico.

A Av. Dom Afonso Henriques, mais conhecida como Avenida da Ponte, ferida urbana de longa data no centro histórico do Porto, já foi imaginada por várias gerações: de Fernando Távora a Siza Vieira, passando por muitos outros arquitetos nos séculos XX e XXI. As demolições da década de 40 deixaram um vazio físico, mas também simbólico, e a consequente “reconstrução” desse vazio exige mais do que um nome que fica bem atribuir ao projeto.

A verdade é simples e incontornável: isto não se resolve apenas com Arquitetura. Repetir velhas fórmulas, agora com assinatura, não garante por si uma visão urbana verdadeiramente regeneradora. 


A Avenida da Ponte é um problema que exige discussão interdisciplinar, convocando especialistas de urbanismo, mobilidade, geografia urbana, património, reabilitação e restauro urbano. No passado, este território não foi tratado apenas por arquitetos — o problema é que só estes tiveram holofotes, porque os media privilegiam maquetas e renders, ignorando a reflexão teórica e estrutural.

Por isso, julgamos óbvio que o projeto de Álvaro Siza Vieira não é suficiente para aquele local, nem resolve a ferida profunda que atravessa a cidade medieval.


Segundo o projeto recentemente divulgado, o arquiteto propõe a construção de cerca de 40 habitações, juntamente com edifícios para serviços culturais, um grande jardim, praças e dois miradouros.

À primeira vista, poderíamos celebrar habitação e zonas verdes — mas a profundidade desta proposta deixa-nos reticentes, por várias razões:


– Habitação limitada, simbólica ou insuficiente

O número de fogos previsto é manifestamente reduzido para o potencial real deste território tão central. Esta área permitiria uma densidade bem maior, combinando habitação, serviços e espaço público vivo.

Além disso, há incerteza sobre o tipo de habitação: será social? pública? acessível? Será decidido pelo futuro executivo — não por agora.

A escala reduzida compromete a possibilidade de revitalizar a zona como um bairro vivo, em vez de uma mera fachada turística.


– Estacionamento para viaturas externas

A criação de 39 lugares de estacionamento de duração limitada ao longo da Avenida retira espaço ao peão e incentiva o automóvel a ocupar ainda mais o centro histórico.

Numa era em que cidades de referência reduzem tráfego e devolvem espaço ao peão, este plano faz precisamente o contrário.


– Espaço público pensado para “olhar”, não para viver

O grande jardim proposto corre o risco de se tornar uma moldura paisagística elegante, mas vazia — um postal urbano para turistas.

Já houve propostas mais ambiciosas, com praças estruturadas, zonas de jogo, bancos e espaços de convívio — elementos ausentes nesta versão.


– A torre-miradouro como símbolo de espetáculo, não de comunidade

A torre de 4 pisos, junto à estação de metro, parece existir sobretudo para “oferecer vistas” já disponíveis noutros lugares — ao mesmo tempo que bloqueia vistas históricas para a Sé e para S. Bento.

Cria-se assim uma visão cénica, quase turística, subordinando a cidade real a um efeito visual.


– Processo fechado e falta de participação cidadã

É alarmante que um projeto desta importância tenha sido encomendado diretamente a Siza, sem um programa claramente definido ao início, sem concurso público ou debate aberto. 

A complexidade e sensibilidade da Avenida da Ponte exigem a participação ativa da comunidade, de especialistas de várias áreas (sociologia, história, geografia), e não a entrega de uma parcela tão significativa da cidade a um autor, por si só. É demasiada autoridade confiada numa única visão, por maior que seja o seu prestígio.


– Potencial conflito com planeamento sustentável

Mais estacionamento, menos densidade habitacional e elementos paisagísticos meramente cénicos revelam um modelo urbano ultrapassado, desalinhado com mobilidade sustentável e com a necessidade de trazer habitantes reais para o centro.


Mas a questão fundamental é outra: queremos sequer manter a Avenida da Ponte?


A Avenida:

nunca devia ter existido como eixo estrutural;

tinha função provisória (já cumprida);

perdeu muita da sua utilidade inicial após o fim do tráfego automóvel no tabuleiro superior da Ponte D. Luís;

destruiu tecido urbano medieval;

continua a fragmentar a Sé.


Está na hora de considerar seriamente o fim — puro e simples — desta avenida (no mínimo o seu protagonismo), abrindo caminho ao restauro das ruas históricas e à recomposição do bairro destruído.

Por isso, defendemos a abertura de um verdadeiro concurso de ideias — não apenas para arquitetos.


Um concurso interdisciplinar deve permitir:

considerar a eliminação da avenida, não apenas a sua “reabilitação”;

reconstituir a Rua do Corpo da Guarda, Rua de S. Sebastião, Pelames e Bainharia, reforçando os percursos pedonais históricos;

devolver a Praça Almeida Garrett e a Praça da Liberdade ao seu caráter original;

privilegiar o peão e limitar fortemente o automóvel;

integrar mobilidade pública e ligações rápidas à periferia;

ponderar um parque de estacionamento oculto e exclusivo para residentes;

recompor o urbanismo da Sé e do Corpo da Guarda com base em documentação histórica;

criar um verdadeiro centro cívico na Baixa, contínuo e pedonal.


Não rejeitamos todas as ideias de Siza Vieira — é importante valorizar habitação, espaços verdes e intervenções sensíveis.

Mas não podemos aceitar este projeto como inevitável apenas porque tem nome de prestígio. O Porto merece mais: merece visão, ambição e participação cidadã.


Por isso, sugerimos:

Abertura imediata de um processo de participação pública real;

Concurso de ideias multidisciplinar que não se limite à arquitetura;

Alternativas que privilegiem o peão, mobilidade sustentável e densidade habitacional responsável;

A coragem de considerar soluções estruturais e não remendos estéticos;

A possibilidade real de reconstruir o coração histórico ferido da cidade.


O futuro daquela avenida — da “ferida urbana” — ainda não está escrito.

Se reabrirmos a discussão com coragem e ambição, podemos desenhar um futuro que cure, mais do que remendar.


Na expectativa de esclarecimento, apresentamos os melhores cumprimentos,  


João Batista, Francisco Queiroz, Paulo Ferrero, Virgílio Marques, Paulo Sousa Costa, Francisco Sousa Rio

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