(foto de Francisco Queiroz)
Comemora-se hoje, e pela primeira vez de modo oficial, o Dia Nacional do Azulejo.
Embora refractário a comemorações de tudo e mais alguma coisa, entendo que, em certos momentos, e para certos temas, haver um dia comemorativo pode ser de grande utilidade. E o facto de ser um dia nacional, ratificado pelo próprio Parlamento nacional, diz muito do quanto o azulejo é um fenómeno português - com muita influência internacional, é certo - e do quanto é um património do país reconhecido como tal por quem não é português.
Embora se suponha que o uso do azulejo em Portugal tenha, pelo menos quinhentos anos, o actual estado da arte leva a crer que, no Porto, o fabrico de azulejos não perfaça mais de duzentos anos. Significa isto que, no Porto, os poucos exemplos de azulejaria anteriores ao período da Monarquia Constitucional foram produzidos bem longe da cidade, sobretudo em Lisboa.
Porém, ao contrário do que é crença comum, o azulejo - ou melhor, um certo tipo de aplicação em azulejo - teve no Porto um período tão florescente que se supõe mesmo ter sido esta a cidade preponderante, no contexto internacional. Refiro-me à azulejaria de fachada e aos artefactos complementares, como vasos, estátuas alegóricas, balaústres e outras peças decorativas em cerâmica para platibandas.
Em diversos cais do Rio Douro, especialmente do lado de Vila Nova de Gaia, foram embarcadas quantidades elevadíssimas de azulejo e dos mencionados artefactos complementares, destinados a ornamentar edifícios em paragens longínquas. No Brasil, apesar de décadas de destruição, podem ainda ser encontrados desde o Maranhão até ao Rio Grande do Sul. Podem ser vistos também nos arquipélagos dos Açores e Madeira e um pouco por todo o país, sobretudo onde havia porto, estação ferroviária, ou boas estradas. Azulejos e ornatos complementares de fachada feitos no Porto podem ser vistos igualmente em edifícios de Lisboa, embora os azulejos semelhantes produzidos então em Lisboa raramente possam ser encontrados nos edifícios do Porto - o que diz muito da preponderância do Porto na produção de azulejos durante a época áurea da azulejaria de fachada, ou seja, entre cerca de 1850 e 1900.
(foto de Francisco Queiroz)
Foi, aliás, no Porto - ou melhor, em Vila Nova de Gaia e com depósito / loja no Porto - que existiu a principal fábrica de azulejos para decoração de edifícios: a das Devesas, cujo complexo fabril está há mais de trinta anos embrulhado num processo de classificação que não tem evitado a ruína, os furtos, a pilhagem, o vandalismo. De que está à espera o Porto? E em Gaia, quantas mais fábricas históricas de cerâmica têm de cair, quantos mais painéis de azulejaria únicos têm de desaparecer para se fazer alguma coisa de concreto?
Sim, faz falta ao Porto um Programa de Investigação e Salvaguarda do Azulejo do Porto, em azulejo de fachada e de interior, em edifícios públicos e privados, e no espaço público ou não, e que compreenda a necessária alteração da regulamentação urbanística em vigor na cidade, mais um inventário fidedigno, banco de azulejos, procedimentos de remoção e recolocação, lista de empresas certificadas para produção de réplicas no casos necessários,etc.
ResponderEliminarSim, faz falta tudo isso. Houve tentativas para um inventário, como o projecto IPAP que, de tal modo era ambicioso, não cobriu senão uma área muito diminuta da cidade. Além disso, nessa época o azulejo ainda era olhado com preconceito: a prioridade não era propriamente valorizar a azulejaria. Há alguns anos, houve também uma tentativa de inventário e monitorização dentro da Porto Vivo, mas apenas para a área classificada como Património Mundial. Porém, no ano seguinte, a pessoa que se ocupava disso foi dispensada e, que eu saiba, não sobrou nem inventário, nem monitorização... O que nos vale é haver cada vez mais arquitectos a fazerem reabilitação que entendem a importância do azulejo como marca identitária e valorizadora do edifício (e também cada vez mais proprietários). De outro modo, a situação seria ainda mais dramática.
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